quinta-feira, 10 de maio de 2012

Capitanias hereditárias e suas consequências


Logo após o Descobrimento do Brasil (1500), a coroa portuguesa começou a temer invasões estrangeiras no território brasileiro. Esse temor era real, pois corsários e piratas ingleses, franceses e holandeses viviam saqueando as riquezas da terra recém descoberta. Era necessário colonizar o Brasil e administrar de forma eficiente.
Entre os anos de 1534 e 1536, o rei de Portugal D. João III resolveu dividir a terra brasileira em faixas, que partiam do litoral até a linha imaginária do Tratado de Tordesilhas. Estas enormes faixas de terras, conhecidas como Capitanias Hereditárias, foram doadas para nobres e pessoas de confiança do rei. Estes que recebiam as terras, chamados de donatários, tinham a função de administrar,colonizarproteger e desenvolver a região. Cabia também aos donatários combater os índios de tribos que tentavam resistir à ocupação do território. Em troca destes serviços, além das terras, os donatários recebiam algumas regalias, como a permissão de explorar as riquezas minerais e vegetais da região.
Estes territórios seriam transmitidos de forma hereditária, ou seja, passariam de pai para filho. Fato que explica o nome deste sistema administrativo.
As dificuldades de administração das capitanias eram inúmeras. A distância de Portugal, os ataques indígenas, a falta de recursos e a extensão territorial dificultaram muito a implantação do sistema. Com exceção das capitanias de Pernambuco e São Vicente, todas acabaram fracassando. Desta forma, em 1549, o rei de Portugal criou um novo sistema administrativo para o Brasil: o Governo-Geral. Este seria mais centralizador, cabendo ao governador geral as funções antes atribuídas aos donatários.
Embora tenha vigorado por pouco tempo, o sistema das Capitanias Hereditárias deixou marcas profundas na divisão de terra do Brasil. A distribuição desigual das terras gerou posteriormente os latifúndios, causando uma desigualdade no campo. Atualmente, muitos não possuem terras, enquanto poucos possuem grandes propriedades rurais.
Principais Capitanias Hereditárias e seus donatários: São Vicente (Martim Afonso de Sousa), SantanaSanto Amaro e Itamaracá(Pêro Lopes de Sousa); Paraíba do Sul (Pêro Gois da Silveira), Espírito Santo (Vasco Fernandes Coutinho), Porto Seguro (Pêro de Campos Tourinho), Ilhéus (Jorge Figueiredo Correia), Bahia (Francisco Pereira Coutinho). Pernambuco (Duarte Coelho), Ceará(António Cardoso de Barros), Baía da Traição até o Amazonas (João de Barros, Aires da,Cunha e Fernando Álvares de Andrade).

Capitania Hereditária 

Primeira estrutura de governo colonial - extremamente descentralizada - implantada pela metrópole para funcionar em todo o território brasileiro. Em 1532, dom João III anuncia a intenção de dividir a colônia em 15 amplas faixas de terra e entregá-las a nobres do reino, os capitães donatários, para povoá-las, explorá-las com recursos próprios e governá-las em nome da Coroa. Essas faixas são de largura bastante diversa, podendo variar de 150 a 600 quilômetros, e estendem-se do litoral para o interior até a linha imaginária de Tordesilhas. Entre 1534 e 1536, dom João III implanta 14 capitanias, concedidas a 12 donatários, que se vieram somar àquela doada em 1504 a Fernão de Noronha pelo rei dom Manuel.

Direitos e deveres

Nas Cartas de Doação é fixado o caráter perpétuo e hereditário das concessões. Em troca do compromisso com o povoamento, a defesa, o bom aproveitamento das riquezas naturais e a propagação da fé católica em suas terras, o rei atribui aos donatários inúmeros direitos e isenções. Cabe aos donatários distribuir sesmarias - terras incultas ou abandonadas - aos colonos, fundar vilas com as respectivas câmaras municipais e órgãos de justiça, além do direito de aprisionar índios. São também isentos do pagamento de tributos sobre a venda de pau-brasil e de escravos. O sistema de capitanias implantado no Brasil não é original. Baseia-se em experiências anteriores de concessão de direitos reais à nobreza para engajá-la nos empreendimentos do Estado português nas Índias, na África, nas ilhas do Atlântico e no próprio reino.

Falência do sistema

Em sua maior parte, as capitanias brasileiras não conseguem desenvolver-se por falta de recursos ou por desinteresse de seus donatários. No final do século XVI, apenas as capitanias de Pernambuco (de Duarte Coelho) e de São Vicente (de Martim Afonso de Souza) alcançam certa prosperidade com o cultivo da cana-de-açúcar. É esse quadro pouco animador que leva a Coroa portuguesa a instituir, em 1548, um governo mais centralizado e capaz de uma ação mais direta - o governo-geral. No século XVII, outras capitanias são criadas para ocupar a Região Norte.
Cada vez mais enfraquecidas e progressivamente retomadas pela Coroa, as capitanias são extintas em 1759. Mas deixam sua marca na ocupação do território, sobretudo da faixa litorânea, e na formação política do país. Além de fixar o nome de muitos dos atuais estados brasileiros, as capitanias dão origem a uma estrutura de poder regional que ainda se mantém atuante.

Capitanias do Brasil

As capitanias foram uma forma de administração territorial do Império Português uma vez que a Coroa, com recursos limitados, delegou a tarefa de colonização e exploração de determinadas áreas a particulares através da doação de lotes de terra, sistema utilizado inicialmente com sucesso na exploração das ilhas atlânticas. No Brasil, esse sistema ficou conhecido como capitanias hereditárias, tendo vigorado, sob diversas formas, durante o período colonial, do início do século XVI até ao século XVIII, quando o sistema de hereditariedade foi extinto pelo Marquês de Pombal em 1759.
Capitanias hereditárias (Luís Teixeira. Roteiro de todos os sinais..., c. 1586. Lisboa, Biblioteca da Ajuda.
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Antecedentes e primórdios

O sistema de capitanias, bem sucedido nas ilhas da Madeira e de Cabo Verde, foi inicialmente implantado no Brasil com a doação da Ilha de São João (atual ilha de Fernando de Noronha), por Carta-Régia de D. Manuel I (1495-1521), datada de 16 de Fevereiro de 1504, que doou a Fernão de Noronha, arrendatário do contrato de exploração do pau-brasil ("Caesalpinia echinata"), constituindo a capitania de São João, sem qualquer efeito na prática, uma vez que não há notícia de sua colonização à época. Os descendentes de Noronha, entretanto, continuaram herdando o título de posse da capitania até ao seu último representante, João Pereira Pestana, em 1692.
O insucesso das expedições guarda-costas de Cristóvão Jacques (inclusive o sério incidente diplomático pelo qual foi responsável), assim como o aumento do tráfico de pau-brasil e outros gêneros por corsários estrangeiros, principalmente franceses no litoral do Brasil, em um momento de crise do comércio português no Oriente, foram os fatores determinantes para a iniciativa de colonização promovida pela Coroa.
Após o sucesso parcial da expedição de Martim Afonso de Sousa (1530-1532), contando com escassos recursos financeiros e visando incentivar ocupação da terra, por iniciativa de D. António de Ataíde - 1° conde da Castanheira -, D. João III (1521-1557) doou quinze capitanias na costa do Brasil, entre 1534 e 1536. Essas doações constituíam-se em faixas de terra dispostas no sentido Leste-Oeste, entre o Oceano Atlântico e o meridiano estabelecido pelo Tratado de Tordesilhas.
Capitanias do Brasil em 1534.
Capitanias do Brasil em 1534.

As capitanias hereditárias

Os beneficiários, no total de doze, eram elementos da pequena nobreza de Portugal, dos quais sete haviam se destacado nas campanhas da África e na Índia, quatro eram altos funcionários da corte e um deles era capitão de confiança de Martim Afonso de Sousa.

De norte a sul as essas capitanias iniciais eram:

CapitaniaLimites aproximadosDonatário
Capitania do Maranhão (primeira secção)Extremo leste da Ilha de Marajó (PA) à foz do rio Gurupi (PA/MA)João de Barros e Aires da Cunha
Capitania do Maranhão (segunda secção)Foz do rio Gurupi (PA/MA) a Parnaíba (PI)Fernão Álvares da Cunha
Capitania do CearáParnaíba (PI) a Fortaleza (CE)Antônio Cardoso de Barros
Capitania do Rio GrandeFortaleza (CE) à Baía da Traição (PB)João de Barros e Aires da Cunha
Capitania de ItamaracáBaía da Traição (PB) a Igaraçu (PE)Pero Lopes de Sousa
Capitania de PernambucoIgaraçu (PE) à foz do Rio São Francisco (AL/SE)Duarte Coelho Pereira
Capitania da Baía de Todos os SantosFoz do Rio São Francisco (AL/SE) a Itaparica (BA)Francisco Pereira Coutinho
Capitania de IlhéusItaparica (BA) a Comandatuba (BA)Jorge de Figueiredo Correia
Capitania de Porto SeguroComandatuba (BA) a Mucuri (BA)Pero do Campo Tourinho
Capitania do Espírito SantoMucuri (BA) a Cachoeiro de Itapemirim (ES)Vasco Fernandes Coutinho
Capitania de São ToméCachoeiro de Itapemirim (ES) a Macaé (RJ)Pero de Góis da Silveira
Capitania de São Vicente (primeira secção)Macaé (RJ) a Caraguatatuba (SP)Martim Afonso de Sousa
Capitania de Santo AmaroCaraguatatuba (SP) a Bertioga (SP)Pero Lopes de Sousa
Capitania de São Vicente (segunda secção)Bertioga (SP) a Cananéia/Ilha do Mel (PR)Martim Afonso de Sousa
Capitania de SantanaIlha do Mel/Cananéia (SP) a Laguna (SC)Pero Lopes de Sousa

Notas

Os limites são aproximados, apontando vilas ou acidente geográficos situados em pontos extremos do litoral, no sentido norte-sul. O limite a oeste é obviamente a linha de Tordesilhas.
A Capitania de Itamaracá foi abandonada pelo donatário e recriada como Capitania da Paraíba em 1574.
A secção mais setentrional da Capitania de São Vicente foi rebatizada pouco tempo depois (por volta de 1567) como Capitania do Rio de Janeiro.

A administração das capitanias

O donatário constituía-se na autoridade máxima dentro da própria capitania, tendo o compromisso de desenvolvê-la com recursos próprios, embora não fosse o seu proprietário.
O vínculo jurídico entre o rei de Portugal e cada donatário era estabelecido em dois documentos: a Carta de Doação, que conferia a posse, e a Carta Foral que determinava direitos e deveres.
Pela primeira, o donatário recebia a posse da terra, podendo transmiti-la aos filhos, mas não vendê-la. Recebia também uma sesmaria de dez léguas de costa. Devia fundar vilas,distribuir terras a quem desejasse cultivá-las, construir engenhos. O donatário exercia plena autoridade no campo judicial e administrativo para nomear funcionários e aplicar a justiça, podendo até decretar a pena de morte para escravos, índios e homens livres. Adquiria alguns direitos: isenção de taxas, venda de escravos índios e recebimento de parte das rendas devidas à Coroa. Podia escravizar os indígenas, obrigando-os a trabalhar na lavoura ou enviá-los como escravos a Portugal até o limite de 30 por ano.
A Carta Foral tratava, principalmente, dos tributos a serem pagos pelos colonos. Definia ainda, o que pertencia à Coroa e ao donatário. Se descobertos metais e pedras preciosas, 20% seriam da Coroa e, ao donatário caberiam 10% dos produtos do solo. A Coroa detinha o monopólio do comércio do pau-brasil e de especiarias. O donatário podia doar sesmarias aos cristãos que pudessem colonizá-las e defendê-las, tornando-se assim colonos.

Outras capitanias

Posteriormente, D. João III (1521-1557) expediu, a 22 de Agosto de 1539, uma carta de doação da "Ilha de Ascensão" (atual ilha da Trindade), situada a 75 léguas da costa do Brasil, na altura de 19º e um terço do meridiano, a Belchior Carvalho, fidalgo da Casa Real, constituindo a Capitania da Trindade. Essa doação também não acarretou conseqüências, na prática.
A Capitania da Baía de Todos os Santos, por morte de seu donatário, foi vendida pela viúva à Coroa, para fins da instalação da sede do governo-geral, com a fundação da cidade do Salvador (1549). Um pouco mais tarde, ainda na região, foram doadas em 1556:
  • a ilha de Itaparica, a D. António de Ataíde, conde de Castanheira, constituindo a Capitania de Itaparica;
  • a região do rio Paraguaçu, a D. Álvaro da Costa, constituindo a Capitania do Paraguaçu (Peroaçu), também denominada como Capitania do Recôncavo da Bahia.
A primeira seção da capitania de São Vicente, que por falta de colonizadores havia sofrido a invasão francesa da baía de Guanabara, entre 1555 e 1567, foi recriada como Capitania Real do Rio de Janeiro.
  • A Capitania de Itamaracá, abandonada pelo donatário, foi recriada como Capitania da Paraíba em 1574.
  • No século XVII, outras capitanias foram criadas:
  • No Estado do Maranhão, no contexto da conquista do Norte do Brasil:
  • a Capitania de Tapuitapera, Cumá ou Cumã, doada a Antônio Coelho de Carvalho (1633) 
    a Capitania de Caeté ou Gurupi, doada a Feliciano Coelho de Carvalho (1634), posteriormente a Álvaro de Sousa;
  • a Capitania de Cametá, doada a Feliciano Coelho de Carvalho (1620)
  • a Capitania do Cabo Norte, doada a Bento Maciel Parente (1637)
  • a Capitania de Marajó (ou ilha Grande de Joanes), doada a Antônio de Sousa de Macedo (1655)
  • a Capitania do Xingu, doada a Gaspar de Abreu de Freitas (1685), última capitania criada

No Estado do Brasil:

a Capitania de Campos dos Goitacases, antiga São Tomé, a Martim Correia de Sá (20 léguas) e a João Correia de Sá (10 léguas) (1674).

Tipos de capitanias

As capitanias podiam ser classificadas em:
  • Insulares e continentais - quanto à sua localização;
  • Permanentes e temporárias - quanto ao seu gênero de doação (a Capitania doada a Pero Cápico seria do segundo gênero)
  • Particulares e da Coroa - quanto ao seu donatário.

O governo-geral

Martim Afonso de Sousa, por Benedito Calixto.
Martim Afonso de Sousa, por Benedito Calixto.
É costume afirmar-se que o sistema de capitanias hereditárias fracassou no Brasil, diante da constatação de que apenas a Capitania de Pernambuco e a de São Vicente lograram alcançar relativa prosperidade nas décadas seguintes. Em ambas, havia prosperado a lavoura de cana-de-açúcar e, apesar dos problemas comuns às demais capitanias, os respectivos donatários, Duarte Coelho e os representantes de Martim Afonso de Sousa, conseguiram manter os seus colonos e estabelecer alianças com os indígenas.
  • O insucesso das demais, certamente atrasou o desenvolvimento da terra. As dificuldades eram maiores do que os donatários podiam calcular. Muitos donatários nem chegaram a tomar posse das suas terras. Entre as causas para tal, relacionam-se:
  • a difícil a adaptação às condições climáticas e a um tipo de vida diferente do da Europa;
  • o alto custo do investimento, que não trazia um retorno imediato;
  • a falta de recursos humanos, por parte dos donatários, para desenvolver os lotes;
  • os ataques das tribos indígenas e de corsários estrangeiros, assim como as disputas internas e dificuldades na aplicação da Justiça;
  • a falta de comunicação e de articulação entre as diversas capitanias pelas enormes distâncias entre si, e entre elas e a metrópole;
  • a ausência de uma autoridade central (governo) que amparasse, a nível local, as Capitanias, a nível de economia, justiça e de segurança.
  • a falsa idéia de que os índios praticavam antropofagia(canibalismo).
Mesmo assim, o sistema de capitanias cumpriu os objetivos ao preservar a posse da terra para Portugal, lançando os fundamentos da colonização, com base no tripé constituído pela grande propriedade rural, pela monocultura de um produto de larga aceitação na Europa e pelo trabalho escravo.
Já em meados do século XVI, percebendo a dificuldade e os riscos ao projeto colonizador, a Coroa decidiu centralizar o governo do Brasil, e enviou um primeiro governador-geral, Tomé de Sousa (1548).

Extinção definitiva das capitanias

A extinção do sistema de capitanias ocorreu formalmente em 28 de fevereiro de 1821, um pouco mais de um ano antes da declaração de independência. A maioria das capitanias tornaram-se províncias e o território de algumas, como o da Capitania de São José do Rio Negro e o da Capitania de Sergipe, foi anexado às novas províncias.


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